domingo, 14 de julho de 2013

Diário de uma morena emprestada



(…) Talhada pela pigmentação da pele que ele exibia suportou, tristemente olhou-o nas origens, fitou-o por ápices, disse-lhe:
- Estás triste, pareces triste, deves de estar triste.
Respondeu-lhe:
-São teus olhos que não alcançam a luz dos meus, não te focalizes nas ocasiões da vida, foca-te na vida toda.
Pareceu-lhe afastada, sintomaticamente ausente, pensativa, demasiado cismática, explicou-lhe as coincidências com que a vida a mimoseou, pareceu-lhe desassossegada, eram as muitas situações que lhe toldavam a razão de ser lógica, parecia retirada de um filme feliniano, não sei até que ponto queria perder, não sei se dissiparia tudo, ganhar era coisa impossível, que tens a perder?
- Nada, eu não quero perder, perder é um verbo que não conjugo na minha alma, tem que ser tudo uma questão de ganhar ou perder?
- Tem, na vida que eu elegi perder é o contrário de ganhar, eu não fui cinzelado para perder, farei tudo para ganhar.
O espaço diminuía, ele não tinha a intrepidez de se aproximar dela, era tudo uma questão de ter de ser e ser infindavelmente, prometeram juras, perpetuamente gratos pelo facto de nascerem continuaram apaixonados pela vida, perduravelmente.
Os seus olhos grandes libertaram suor, sua alma abriu-se para ele, as palavras transformadas pelo jeito que lhe ficou de pequena, prolongando consoantes de forma continuadamente sexi penetraram no seu ego e fez-se luz na sua alma.
Sabia o que queria, sabia que unicamente queria saber o que queria, parecia ser eterno o sentimento, queria que o sentimento fosse eterno, e tu?
- De mim nada sei, sei que sou apenas um instrumento banal nesta orquestra de especialistas, sei que a maneira como a voz se tolda inicia algo de diferente, coisa atroz e deficientemente permanente, não tenho medo nem medos se a minha voz se calar o meu espírito falará por entre um qualquer silêncio, não tenho medos nem medo…
Fechava-se mais uma parcela de espaço, o vómito do pânico não permitiu que as palavras fossem produzidas, não faltava já mais nada, faltava tudo e tudo era nada.
Aparentemente cerrou-se mais uma janela e abriram-se as portas principais, era o tempo de jogar tudo, morrer ou viver…
Parecia-lhe que o tempo parara, que não existia mais a condição para efetuar a operação logica discursiva e mental de todas as premissas, chegaram a conclusões, disse-lhe:
- Utiliza mecanismos inteligentes para deixarmos de viver assim.
-Assim como?
- Na esperança de nunca morrer.
- Que queres que faça é a única convicção de existir, penso nela, por isso não perco nem me perco, analiso várias vezes a morte, encaro-a como um engenho integrante do meu processo cognitivo, nunca te apercebeste?
- Sim já, pareces-me estranho por vezes, quero que tudo contigo acabe em “te”.
- Sabes da minha admiração por Pessoa, leio-o algumas vezes para tentar entender os enigmas da vida, disse: “O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.” Sendo assim, por que não nos preocupamos mais com a contagem decrescente do que com as coisas banais? Os empregos, a casa, a família, a própria vida?
Tipo: Hoje o dia no emprego foi uma merda. Em vez disso pensar: Hoje foi menos um dia na minha vida, não vou baixar os braços e lutarei por ela até ao último dia que me restar. A outra que é fufa, o outro que anda com a outra, o carro daquele, a camisa do outro. Sim e menos um dia de vida? Que me dizes?
- É uma maneira de apresentar as coisas, sabes que também penso um pouco assim mas ainda me sinto presa à infância, presa a estereótipos infelizmente conservadores, sabes bem que eu fui sempre eu, menina e mulher tudo no mesmo dia, sabes que eu fui apenas aquilo que consegui ser, fui mãe, mulher, filha e socialmente apreciada pelos que me rodeiam. Sabes que eu sou mãe, mulher, filha e mito social…
- Sim sei, interrompi, és vítima da maior prisão de todas, não seres aquilo que querias ser, vives cada dia em função daquilo que os outros querem de ti, deverias pensar mais em ti, na tua maneira de permanecer dentro dos outros sem interferires com a tua alma na caridade alheia… Deixa-me falar, eu estava a falar. Sim deixo-te falar, deixo-te sempre falar…
- Temos maneiras interessantes de ver o instante, tu olhas pela janela e vês  vento e  nuvens, eu, olhando ao mesmo tempo pela mesma janela vejo o sol e mar…Queres dizer que sou pessimista? Não, apenas que és mais frio e calculista do que eu…Pois, tens a sensibilidade própria de uma menina de 7 anos e o corpo de mulher de 35 e fazes-me viver nesta espécie de ilusão de ótica restringindo os meus desejos pessoais e vivenciando sentimentos mais nobres.
- Falava contigo toda a noite, mimava-te sem haver fim, deitava-me e dormia, dormia tudo numa só noite, dormia ate a minha alma parecer livre, mesmo não sendo, mesmo presa a tudo aquilo que se move sem se ver, à ingratidão de uns, à capacidade desta forma de chantagem emocional a que me prendo, queria acordar, depois de dormir tudo, contigo a meu lado, no teu corpo. Tenho de me ir deitar, sem ti, na minha prisão.
- Sim podes ir, vai mas pensa, nunca deixes de pensar, se não te for oportuno pensar, deixa-te levar pelos sonhos que te acalmam a noite fria que sozinha passarás, sei disso, sei que foste tudo, que és tudo e tudo é nada, que tudo contigo acaba em “te”, não tenho medo, nem medos…(…)

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