terça-feira, 9 de julho de 2013

A indubitável leveza da espécie



Desde a janela da sala António observa duas cachopas na casa dos 20 e tal, extraordinariamente em tronco nu, observa-as, vestiam um pano entre a saia e o calção, pareciam aquecidas pela luz do meio-dia e doiradas pelo sol de uma praia da linha qualquer.
António tinha nascido 50 anos adiantado, no seu tempo, depilação integral era coisa de malucas, lavagens frequentes coisa de gente seria.
Da janela via tudo, na janela era visto e via tudo, viu a cabra alta aproximar-se do portal em pedra polida, no qual, procurou com o traseiro, conforto para o próximo cigarro antes de penetrar no supermercado da zona, outrora meretriz das ruas do Cais do Sodré, hoje sombra desses tempos.
Na janela ele via-as, as duas cachopas a observarem os andares superiores, na esperança de um chamamento qualquer. 
Polia as pedra da calçada com os seus ténis roubados a um camone o Pedro, o filho do gajo da leitaria, o mesmo que em tempos batia na avó para lhe roubar o ouro que prontamente trocava por uma quarta no casal ventoso, o irmão do Ricardo, filho da mãe que mataram porque sabia demais, dos negócios que se faziam no café, Laurinda de seu nome, morreu transferida de táxi para táxi até São José, era gira a rapariga, gostava de mim e eu dela, Desde a janela da sala, António via-a e ela via-o a ele, de frente vivia a Fanny, era doce e bela, e bela vista da mesma janela, num ano vivia em França, no seguinte vivia mesmo em frente à janela.
 A doce Mónica amiga do Zé maricas, que se finou com dose extra de cavalo, era triste mas humildemente perfeita, paravam os poucos carros que na janela passavam olhando o corpo que transbordava na janela ao lado dela.
Lá continuavam elas em frente à janela, uma delas, a mais velha, trinta já batidos, baixava a mão até à púbis e em movimentos repetitivos de em sentido ascendente e descendente, embrulhava os olhos ao António que as via da janela, pensamentos estranhos invadiram-lhe por momentos a mente, é porca a gaiata, não se deve de lavar, no meu tempo quem se lavava não se coçava assim.
Esta janela trazia um mundo com ela e António vê nela toda a vida bela.

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