Professor, era assim que eu o tratava, privamos pouco, o
suficiente para entender de que matéria são feitos os génios, o suficiente para
umas aulas grátis acerca de tudo de uma só vez, estávamos os dois sentados na
sombra de uma palmeira, em pé uma nuvem de formandos que me acompanhavam.
Sabe que o Pessoa foi um “manga-de-alpaca”? Disse.
Sim professor, já li acerca disso, sei que sim.
-E sabe que o homem era tradutor, que trabalhava nas casas da
baixa a troco de uns cobres? Um génio, um génio…
Sim também li acerca do assunto.
Em cima da mesa de plástico branco, estavam suspensas pelo
vento algumas folhas avulso, a mão trémula que as segurava era firme com a
caneta, e assertiva nos traços do lápis.
Interromperam pertinentes alguns dos formandos.
-Professor gostamos muito de o ler, de ler o que escreve e
agora de o ter conhecido pessoalmente, obrigada.
Saí em reforço da ideia, conte-nos o segredo das palavras.
É só um, ler, ler muito, nos outros busco sempre inspiração para
mim, nos Franceses, leio muito os Franceses, filosofia, gosto de ler filosofia.
Nos almoços que semanalmente partilhávamos, na mesma sala, a
espaços, aquando da crueldade dos invernos, a tosse profunda invadia-lhe a alma
e enchia a sala como só os especiais conseguem.
Ao lado, sempre ao lado a esposa, dedicada, preocupada, a inteligência
em pessoa, Agripina de seu nome, escritora também, Sensível, Compreensiva, Mãe,
Mulher, Amiga, com quem me orgulho de ter partilhado ideias e ideais e algumas
manhãs na biblioteca.
O corpo de António Ramos Rosa vai a sepultar, o homem fica
connosco e com as gerações vindouras, era até ontem o maior poeta Português
vivo, é hoje o maior poeta Português contemporâneo, os homens deste tamanho não
morrem, renascem a casa frase, a cada momento em que são lidos, a cada verso
irregular, a cada metáfora, a cada dia novo.
Irregulares são também as vontades, a minha, a da sua vida
eterna.
Bem haja.