Impossível, disse. A morte não é a única passagem certa da
vida, tu nunca vais entender isso.
– Desculpa, agarro-me em demasia às ideias dos filósofos velhos,
Schopenhauer, por exemplo, disse que a morte era a musa da filosofia.
Enquanto assim pensares não vais conseguir entender a essência
da própria vida, se continuas a negar a realização dos teus desejos espontâneos
e a duvidar dos prazeres da razão, não serás nunca feliz.
Quem te disse que a
isso almejo? Desprezo esse tipo de felicidade, essa maneira abstrata de não ser
nada em concreto, desprezo essa particularidade de tentar libertar os outros
dos seus medos, dos temores dos processos naturais, da dissolução das partículas
elementares, da esperança no retorno de nada consistente.
Tu é sabes, sabes sempre e acabas sempre por perder, mesmo
que para ti isso seja um ganho, acabas sempre por ver coisas, por persistires
nelas e nelas veres outras completamente irreais, tens essa capacidade, eu não,
mas também não gostaria de a ter. -Pois tu não gostarias nem gostas de ter
muitas coisas, uma delas é o simples trabalho que te dá refletir, à falta de
coragem para mudares o tempo passado. -Achas isso possível? – Sim acho, acho
que a mudança interior processa parte do tempo referente ao passado, acho, pode
ser parte de um procedimento de inversão de vivências. Sabes que não possuo
essas capacidades psicológicas, que nem gosto de psicólogos, desses que nos
analisam a todo o instante, sabes que não gosto desse tipo de análises, vivo
com as minhas próprias vivências, as minhas próprias análises, profundas? Algumas,
mas, na sua maioria, tristemente superficiais.
-Por que tu assim queres, reconheço-te, eu e mais pessoas,
capacidades ínfimas de realizares meditações profundas acerca da liberdade de
pensar.
És só tu que me vês assim, eu tento sempre não fugir a esta condição
de mortal, para isso, compreendo o mundo dos outros, dos que vivem apegados a
conceitos, preocupação, angustia, meio conhecimento, complexo de culpa e, o
mais cruel dos conceitos que conheço, o dia-a-dia.
Gostas sempre de suscitar nos outros novas maneiras de
pensar, contudo, não podes querer que os outros se verguem a essas novas formas,
tens de respeitar os outros, o que eles pensam, o que já viveram, aquilo que
querem viver, tens de ser mais comedido com a maneira de dizeres aos outros aquilo
que pensas.
-Sabes que assim não sou, não tento impingir nada aos
outros, mas não me castro de dizer nada a ninguém, depois pensem o que
quiserem.
A noite já vai longa, acabo como comecei, sabes que gosto
sempre de um pensamento.
Shakespeare disse: “Choramos ao nascer porque chegamos a
este imenso cenário de dementes”.